quinta-feira, março 31, 2005

A BOM PORTO

Abre o teu coração frio
e não me deixes absorto
quero ser o teu navio
p' ra levar-te a bom porto.

O teu mar é de tormenta
e já não tens confiança
quero ser a tua ementa
e a justa temperança.

Minha amiga tem cuidado
não te deixes arrastar
nesse mar encapelado
que te pode afundar.

Abre o teu coração frio
e não me deixes absorto
quero ser o teu navio
p' ra levar-te a bom porto.


Frassino Machado
In ODISSEIA DA ALMA

LAUREADOS DO OLIMPO - IBN AL-MISSISI

Natural de Silves, antes da aurora de Portugal, viveu em pleno século XI, por altura do Reino das Taifas, cuja cidade mais célebre era Sevilha. Viveu na corte do famoso poeta-rei Al-Mutamide e foi secretário do seu filho Al-Fath. Como era comum, no tempo, dedicava-se ao culto da música e da poética, tendo-nos deixado alguns trechos de riquíssima inspiração.


A QUEM ME LER


Daquele que dá menos do que pode

nunca elogies o desprendimento:
se o vesgo, de olhar baixo, acode
não é pela modéstia que ele sente,
ocultar o defeito é seu intento...

Não admires a nobreza que é recente

nem julgues estrela, na fronte do cavalo,
a mancha que fez a rédea ao segurá-lo.

Quantos adornaram a noite da pobreza

com o doce orvalho da sua bondade
que, como lágrima, brilhou de beleza!

Quem dirá ao seu bondoso coração
que eu fiz este poema em seu louvor
com rimas e beijos que deixo em sua mão?


Ibn Al-Missisi
In CANCIONEIRO ANDALUZ

A CHAVE DO TEU CORAÇÃO

Eu tenho uma chave
do teu coração
e sei teus segredos
quer queiras quer não.

E sei teus segredos
tirando os da alma
porque esses só Deus
que é Quem me acalma.

Porque esses só Deus
e tu, meu amor,
são na minha vida
toda a minha dor.

São na minha vida,
todo o meu tormento,
ó bela tirana
de amor violento.

Ó bela tirana,
quer queiras quer não
tenho em mim a chave
do teu coração !


Frassino Machado
In CORAÇÕES ANSIOSOS

A BATALHA DO AMOR

Teu discurso de amor é teimosia
mostrando nas palavras seres inquieta
que de amor já não sei a serventia
tu que te assumes como indiscreta.

Eu sei que por feitio és impulsiva
e em certas horas muito orgulhosa
mas, nas coisas de amor sempre à deriva,
és bastante ciumenta e invejosa.

Ontem foste p’ ra mim selvagem fera
de lágrimas raivosa, olhos de lume,
e pronta a devorar-me qual quimera.

Na batalha do amor foste egoísta
e na tua alma, inchada de ciúme,
senti tua derrota imprevista !


Frassino Machado
In CORAÇÕES ANSIOSOS

quarta-feira, março 30, 2005

MARIA POR HELENA

Helena que teu nome tens seguro
que de MARIA não precisa então
deixa que lapso meu me dê razão
de tornar teu nome inda mais puro.

Muitas MARIAS gostam mais de Helena
e até Helenas gostam de MARIAS
mas, para que não haja arrelias,
fica então só HELENA, minha pena !

Sim, simplesmente HELENA e não Maria
talvez mais belo seja todavia
ganha por nobre e perde em singeleza ...

De qualquer forma eu tenho uma certeza:
mais formoso que este meu poema

só o teu belo nome, minha HELENA !


Frassino Machado
In LIRA BEM TEMPERADA

LAUREADOS DO OLIMPO - AL-MUTAMIDE

Nascido em Beja, em 1040, de uma família de poetas, após ter governado, nominalmente, Silves, vem a ocupar o trono do reino taifa de Sevilha, em 1069, sucedendo a seu pai, o cruel e astucioso Al-Mutadid.
Em 1091, para enfrentar Afonso VI de Castela, solicita o auxílio de Yusuf Ibn Tasufin, senhor dos Almorávidas. Este, após desbaratar as hostes cristãs, vira-se contra os Reinos Taifas, que conquista, um por um. Também Al-Mutamid é vencido, após dura peleja e Sevilha conquistada. O infortunado rei é desterrado para o interior de Marrocos, onde virá a falecer, com fama de grande poeta.
Durante o seu degredo, em terras de Mafoma, entre a memória de um passado auspicioso e um amargurado presente viverá Al-Mutamide um drama pessoal, que exprime em versos de excepcional força lírica. Da adversidade faz uma elegia. Das tristezas do quotidiano extrai poesia: um bando de aves entrevisto das grades da cela; a grilheta que lhe rói o tornozelo... as dores da alma.
Morre em 1095, não sem antes ter escrito um poema para o seu epitáfio. A sua personalidade, o seu drama e arte comoveram a gente do seu tempo. Ainda hoje a sua memória, ligada à trágica amizade com Ibn-Ammar, também poeta, permanece viva, muito em especial no mundo árabe; tanto assim, que o seu túmulo em Agmat é objecto de piedosas romagens de muçulmanos.



EVOCAÇÃO DE SILVES


Saúda, por mim, Abu Bakr,

os queridos lugares de Silves
e diz-me se deles a saudade
é tão grande quanto a minha.

Saúda o palácio dos Balcões
da parte de quem nunca os esqueceu.
Morada de leões e de gazelas
salas e sombras onde eu
doce refúgio encontrava,
entre ancas opulentas
e tão estreitas cinturas!

Mulheres níveas e morenas
atravessavam-me a alma
como brancas espadas
e lanças escuras.

Ai quantas noites fiquei,
lá no remanso do rio,
nos jogos do amor
com a da pulseira curva
igual aos meandros da água
enquanto o tempo passava...

E me servia de vinho:
o vinho do seu olhar
às vezes o do seu copo
e outras vezes o da boca.

Tangia cordas de alaúde
e eis que eu estremecia
como se estivesse ouvindo
tendões de colos cortados.

Mas retirava do seu manto
grácil detalhe mostrando:
era um ramo de salgueiro
que abria o seu botão
para ostentar a flor.



AL-Mutamide
In CANCIONEIRO ANDALUZ

sexta-feira, março 25, 2005

BOAS FESTAS E DOCE FOLAR

O poema que escrevi não tem outra intenção
que ser réplica de outros e divulgação,
meu sonho de água em dia de suplicação,
com a divina Páscoa a fazer de benção.

Amigo, meus amigos, Boas Festas tenham
com tudo o que for bom e sonhos que convenham,
deixando para os outros coisas qu' entretenham,
para qu' a paz de novo subtrair não venham.

Para que este meu tempo jamais seja inútil
doce folar recebam, neste mundo vil,
comendo-o com prazer e gosto senhoril.

Depois desta festança ainda há Pascoela
que leve à nossa porta pão-de-ló e canela

p' ra mudar nossa vida e o que há de mal nela!


Frassino Machado
In ODISSEIA DA ALMA

quarta-feira, março 23, 2005

SERENATA AO LUAR

Amor, qu' stás esperando
à luz do claro luar
não ouves a voz chamando
e as estrelas a brilhar ?

- Agora 'stou eu 'sperando,
aqui na fonte a sonhar
muito só vou recordando
como é bom ter quem amar.

- Meu amor das sete voltas
que 'stás tu a magicar ?
- 'stou 'screvendo quadras soltas
até meu amor chegar !

O meu tempo vai passando
e aqui já se faz manhã
as horas vão-se esgotando
quem sabe se mais haverá ...

Ninguém ouve minha voz
isto é mesmo um tormento
eu e ela muito sós
e lá fora a voz do vento.

Não espero mais, não 'spero
eu já estou 'sperando tanto
passe agora o desespero
que amanhã é dia santo.

Da janela vejo estrelas
pois a lua já partiu
são bonitas todas elas
mas uma delas fugiu.

Aqui deste palacete
numa colina de prata
dou por fim este livrete
e não há mais serenata!


Frassino Machado
In ODISSEIA DA ALMA

segunda-feira, março 21, 2005

NO DIA DA POESIA

Ouvi um dia
que a poesia,
muita atenção,
virou em pão ...

Pois é verdade,
por piedade,
se tal houvesse
oh, mais viesse!

Pois cada home
cheio de fome
viver não qu'ria
sem ter poesia...

Ai, que m'donho
parec' um sonho
que neste dia
haja poesia.

Olá, poetas,
tomai canetas
lavrai a terra
por esta guerra...

Acabe-s' esta
comec' a festa
haj' união
p'ra haver mais pão!

Tudo s' afoite
de dia ou noite,
calor ou frio
como num rio.

Venha mais gente
nesta corrente
pois tudo encarta
qu' a mesa é farta.

Ricos ou pobres,
há sempre uns cobres,
p' ra um bom poema
com este tema.

Riqueza ou não,
poesia é pão,
cantai amores,
ó trovadores !


Frassino Machado
In TROVAS DO QUOTIDIANO

sábado, março 12, 2005

LAUREADOS DO OLIMPO - GARCIA LORCA

FEDERICO GARCIA LORCA

( 1898 – 1936 )

Em 13 de Julho de 1936 o poeta foi de Madrid para Granada, para fugir ao ambiente de agitação que aí se vivia, após diversos incidentes, entre os quais o assassínio do deputado Calvo Sotelo, chefe dos monárquicos e das forças conservadoras que pretendiam derrubar a República.
Em 18 de Julho o general Franco fez pelo rádio um apelo ao Movimento Nacional contra o governo republicano. Nesse dia Sevilha caiu em poder do general Queipo de Llano, chefe da rebelião militar da Andaluzia, e em 20 de Julho Granada ficou dominada pelos Nacionalistas, instaurando-se um clima de terror. Entren os presos estava Manuel Fernandez-Montesinos, marido de Concha, irmã de Federico, alcaide socialista de Granada.
Após diversos incidentes, que demonstraram que a situação era de grande perigo para a família Garcia Lorca, em 9 de Agosto Federico foi refugiar-se em casa do poeta Luis Rosales, pois dois irmãos deste eram membros importantes da Falange de Granada, pelo que ele supunha que aí estaria protegido.
Na madrugada de 16 de Agosto, Montesinos foi fuzilado no cemitério de Granada, com mais vinte e nove republicanos.
Ao sabê-lo, Garcia Lorca sentiu o desgosto da sua irmã e ficou ainda mais preocupado com a sua própria vida. Além disto o poeta já fora procurado em sua casa pelas autoridades nacionalistas que impunham o terror em Granada. Segundo Iam Gibson, na sua imprescindível biografia, Concha, a irmã do poeta, perante a ameaça das autoridades de prender o pai ou executá-lo de imediato, revelou o lugar onde Federico se escondera, supondo-o defendido por estar em casa da família Rosales.
Federico foi então preso pelos Franquistas, na tarde de 16 de Agosto e fuzilado na madrugada de 18 seguinte, num campo ( a seu pedido: “levem-me para o meio das flores”, terá dito ele momentos antes ... ) dos arredores de Granada. O seu corpo nunca foi encontrado.
Muitos poetas, de todo o mundo o prantearam, mas a sua grandeza permanece, para além de qualquer lamento, por toda a sua obra !
***
LA CASADA INFIEL
Por
Federico García Lorca

Y yo que me la lleve al río
creyendo que era mozuela,
pero tenía marido.
Fue la noche de Santiago
y casi por compromiso.
Se apagaron los faroles
y se encendieron los grillos.
En las últimas esquinas
toque sus pechos dormidos,
y se me abrieron de pronto
como ramos de jacintos.
El almidón de su enagua
me sonaba en el oído
como una pieza de seda
rasgada por diez cuchillos.
Sin luz de plata en sus copas
los árboles han crecido
y un horizonte de perros
ladra muy lejos del río.
*
Pasadas las zarzamoras,
los juncos y los espinos,
bajo su mata de pelo
hice un hoyo sobre el limo.
Yo me quité la corbata.
Ella se quito el vestido.
Yo, el cinturón con revólver.
Ella, sus cuatro corpiños.
Ni nardos ni caracolas
tienen el cutis tan fino,
ni los cristales con luna
relumbran con ese brillo.
Sus muslos se me escapaban
como peces sorprendidos,
la mitad llenos de lumbre,
la mitad llenos de frío.
Aquella noche corrí
el mejor de los caminos,
montado en potra de nácar
sin bridas y sin estribos.
No quiero decir, por hombre,
las cosas que ella me dijo.
La luz del entendimiento
me hace ser muy comedido.
Sucia de besos y arena,
yo me la llevé del río.
Con el aire se batían
las espadas de los lirios.
*
Me porté como quien soy.
Como un gitano legítimo.
Le regalé un costurero
grande, de raso pajizo,
y no quise enamorarme
porque teniendo marido
me dijo que era mozuela
cuando la llevaba al río.

Garcia Lorca

In CANCIONERO GITANO