sábado, maio 24, 2008

ONDE MORAS, POETA ?


Onde moras, tu poeta, que me desconheço
e me perco no espaço que habita entre mim e ti?

Onde habitas, tu poeta, que me reconheço
e me encontro no espaço que mora entre ti e mim?

Eu moro certamente entre as janelas aniladas,
por onde trespassa a cada hora o teu olhar,

Eu moro certamente entre as fúlvidas ondas
que cercam em espiral teu cândido rosto.

Eu moro certamente entre os sons harmoniosos
que deixas passar cada dia através do teu sorrir...

Onde moras, tu poeta, que já deixei de reconhecer
a terra que suporta os nossos passos peregrinos ?

Onde moras, tu poeta, que já não distingues
as indeléveis emoções que ambos revestimos?

Dentro do meu sopro e do teu arfar, eu moro,
entre o meu pensar e o teu sentir eu espero,

Dentro do meu sonhar e do teu corpo eu sinto
entre aquilo que eu sou e o que tu és eu vivo.

Apenas quero que não esqueças nunca mais
que a luz daquela estrela, que entre nós cintila,

Brilhe vinte e quatro horas eternamente !


Frassino Machado
In JANELAS DA ALMA

quarta-feira, maio 21, 2008

QUER'EU EM MANEIRA DE PROENÇAL


Quer'eu em maneira de proençal
fazer agora un cantar d'amor,
e querrei muit'i loar mia senhora
que prez nen fremusura non fal,
nen bondade; e mais vos direi en:
tanto a fez Deus comprida de ben
que mais que todas las do mundo val.

Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,
quando a faz, que a fez sabedor
de todo ben e de mui gran valor,
e con todo est'é mui comunal
ali u deve; er deu-lhi bon sen,
e des i non lhi fez pouco de ben,
quando non quis que lh'outra foss'igual.

Ca en mia senhor nunca Deus pôs mal,
mais pôs i prez e beldad'e loor
e falar mui ben, e riir melhor
que outra molher; des i é lealmuit',
e por esto non sei oj'eu quen
possa compridamente no seu benfalar,
ca non á, tra-lo seu ben, al.

*
-Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?

Ai, flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pos comigo!
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado
aquel que mentiu do que mi ha jurado!
Ai Deus, e u é?

-Vós me preguntades polo voss'amigo,
e eu ben vos digo que é san'e vivo.
Ai Deus, e u é?

Vós me preguntades polo voss'amado,
e eu ben vos digo que é viv'e sano.
Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é san'e vivo
e seerá vosc'ant'o prazo saído.
Ai Deus, e u é?

E eu ben vos digo que é viv'e sano
e seerá vosc'ant'o prazo passado.
Ai Deus, e u é?

*

APENAS SOMBRAS ENTRE NÓS


Deixa que me dispa do tempo que me pertence
para que possa ver-te integral junto de mim
naquele aconchego próprio de quem aspira
ao renascer do indelével amor que partilhámos.

Tu foste para mim a Euridice de um velho sonho
numa história que ingenuamente começou
e os dias, as noites e as horas que recontei
construíram aquela única e admirável aventura.

Eu fui para ti, sim, aquele Orfeu intemporal
que na sua insignificância romanesca
julgou ser possível alcançar a donzela
longínqua que habitava para lá do mar.

Muitos foram os sonhos embalados
num berço mágico de humana ambição
mas rude foi o destino que projectou
contra mim os mais cruéis escolhos.

Perdi-me nas veredas sombrias do teu horizonte
sem conseguir verdadeiramente encontrar-te
e hoje apenas vejo as marcas insondáveis
dos orfeus menores que sempre te cortejaram.

Do amor que em nós um dia se esboçou,
virtualmente crescido entre cardos inúteis,
onde está, podes dizer-me, o cerne da alma
que me poderá fazer regressar ao caminho?

E tu, Euridice, que revolveste minha estória
com a linha mágica do teu corpo e ilusão,
que resposta me darás quando ao acordar
eu encarar novamente o fúlgido labirinto?

O tempo e o mar são os intoleráveis inimigos
que entre nós selvaticamente se plantaram
e, por mais clara e solarenga que seja a aurora,
manter-se-ão as indesejáveis neblinas.

Não sei se a nossa história se reencontrou
e se o sentimento que lançaste fora de ti
ainda é o mesmo do nosso tempo original...
Diz-me, Euridice, Orfeu poderá voltar ?


Frassino Machado
In AS JANELAS DA ALMA

terça-feira, maio 20, 2008


MULHER PRIMAVERA

Dedicado a
América Miranda



Mulher das Sete Partidas
Sete Partidas e encantos
e p’ ra maior dos espantos
também é de Sete Vidas.

Frontalidade é seu lema
com clarões de arrebol
seu rosto em girassol
tem auréola de diadema.

Enorme é seu coração
habita lá todo o mundo
seu espaço não tem fundo
e a energia é uma emoção.

Da luta nunca desiste
mesmo em feroz circunstância
coloca sempre à distância
a quem com ela persiste.

Se alguma vez acontece
parecer não ter razão
que ninguém tenha ilusão
tudo à volta empalidece.

Não há .lugar pr’ a quimera
nem p’ ra qualquer outra ideia
nesta tão fraterna aldeia
manda a Mulher Primavera!


Frassino Machado
In AO CORRER DA PENA